Urbanismos e cotidianos

Marcos

Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas - CE

Desde o início deste século que os centros urbanos e cidades se expandem de acordo com o caráter econômico-financeiro de suas regiões, que são mutáveis ao sabor da dinâmica do capitalismo. Mas o que se observa em geral é que o planejamento – ou improvisação nas periferias urbanas – tem o princípio de agilizar a circulação de mercadorias, criando-se uma dependência de automóveis, priorizando-se o surgimento de rodovias ou ruas, o que acarreta a supressão de espaços de convivência em relações diretas e lazer espontâneo.

Uma das mais praticadas receitas de urbanização nasceu a partir de um modelo norte-americano, de se estruturar cidades onde nelas há somente a produção de bens, mercadorias e serviços; outras, onde as pessoas dormem e outras onde somente essas mesmas pessoas se divertem e consomem o que é produzido. As ruas de centros comerciais também se adaptam à imposição da dinâmica de mercado, tendo o único propósito de ligar uma quadra à outra.

Tais imposições acarretam a destruição da vida gregária, a dispersão urbana e expansão da alienação política, transformando pessoas/indivíduos em meros "pedestres", "trabalhadores" e "consumidores em potencial".

Um dos fenômenos provocados por tal dinâmica é a expansão de centros comerciais compactados – os shoppings – que têm toda uma estrutura de mercado do lazer, de consumismo, oferecendo, entre outras coisas, a "segurança" e o "conforto" de encontrar todo tipo de mercadoria em um só lugar. Todo o planejamento de funcionamento de um shopping é voltado para a alimentação do consumismo. Ao adentrarmos em um destes, perdemos a noção de tempo devido à iluminação interior que nos impossibilita de saber se ainda é dia ou tarde da noite, e sem um olhar crítico às prateleiras às vezes esquecemos todas as teorias socialistas e libertárias para comprar algo que não temos urgente necessidade. Os shoppings hoje também são os únicos espaços de relações entre adolescentes, que forçosamente desenvolvem-se cercado por uma cultura de mercado/consumo, onde as melhores "marcas" de produtos são referenciais para conhecer novas pessoas .(O mesmo pode se dar em outros locais de "prazeroso consumo", como em quartos de motéis, onde, sem relógio, não temos mais a noção de tempo, por mais que estejamos apressados em deixar o prédio). São detalhes do cotidiano que regulam nossas vidas.

Fortaleza nasceu a partir da construção de um forte militar – numa afirmação de Estado – e do funcionamento de um porto por onde escoavam riquezas desta terra – numa reprodução do Mercado. Hoje observa-se o nascimento e inchaço de favelas e bairros, onde a constância de ocupações de terrenos públicos e privados quebra parcialmente a lógica capitalista de urbanismo e da especulação imobiliária. Parcialmente porque alguns governos deixam propositadamente acontecer ocupações e favelizações em áreas de preservação ambiental, em rios, lagoas, sítios tombados, para posterior instituição de parcerias com organismos internacionais visando a "recuperação" dessas áreas, muitas vezes deslocando esses ocupantes para outras paragens e abrindo caminho para empreendimentos capitalistas. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) tem atuado em vários países/colônias quando financia habitações "populares" na "urbanização" de favelas. Nas grandes cidades os mais abastados isolam-se em grandes condomínios horizontais e fechados por segurança privada e uma estrutura de "mini-cidades".

No Brasil da ditadura militar, notadamente durante o período conhecido como "milagre econômico" foram inúmeros os conjuntos habitacionais criados por prefeituras e governos estaduais para trabalhadores assalariados, onde se desenharam ruas e casas idênticas umas às outras, que até hoje confundem quem tenta conhecê-los ou procurar a casa de qualquer residente, num verdadeiro desrespeito às nossas individualidades e inteligência.

O projeto Costa-Oeste está engavetado pelos governos estadual e municipal até que as eleições municipais se realizem, tem por objetivo transformar uma área de Fortaleza, o Grande Pirambu – um bairro historicamente operário e de ancestrais pescadores –, na próxima "área nobre" da cidade, num dos mais ousados ataques especulativos dos mercados de imóveis e turismo, que é hoje mais uma nova característica criada pelo capitalismo na região.

Como em todos os outros ataques à vida humana, o Estado e suas autoridades/gerentes são eficientes instrumentos do capital, que tem no urbanismo um estratégico modo de dominar nosso dia-a-dia e perpetuar a "economização da vida".

 

ANTERIOR
ÍNDICE
PRÓXIMA