Outros esforços, outros esforços, se quereis mudar a vida!

Edson

 

Mudar a vida! Esse é o desejo de muitos. Mas, como fazer para mudar as estruturas e práticas que mantêm a lógica de exploração e dominação da sociedade em que vivemos? A tradição da esquerda vem sendo, até aqui, a de acreditar que o processo de transformação social se dará através da tomada do poder de Estado. Isso seria feito através da luta e organização dos trabalhadores para construir uma sociedade dirigida por um "governo operário" ou mesmo utilizando o espaço da democracia burguesa para modificar e reformar as estruturas do capitalismo, na busca de "minimizar" a desigualdade social. O problema é que esse campo de atuação da esquerda, assim como seu projeto, se utiliza dos mesmos mecanismos da sociedade de mercado e, com isso, a mesma lógica do capitalismo.

Em primeiro lugar, porque a forma central do Estado moderno continua existindo: a representação. Mesmo na ideologia bolchevista o papel de sujeito é exercido pela direção do partido, retirando dos trabalhadores o poder que foi conquistado por eles - e pior ainda porque em nome da revolução -, mantendo a exploração do trabalho alienado (o que antes era explorado pelo patrão agora é explorado pelo Estado), produzindo, portanto, valor e mantendo o mercado. A tática utilizada pela esquerda oficial está dentro da mesma lógica, pois o projeto é o mesmo: tomar o poder de Estado. Assim, com a eleição sendo colocada como perspectiva central na luta pela transformação social é mantida a sagrada esfera da política e do Estado, com sua lógica autonomizada de representação. Assim como no capitalismo, no "socialismo" deles, a sociedade não pode exercer o poder por si mesma, sempre tendo que eleger, escolher e obedecer a seus representantes. Desta forma, o projeto de organização social da esquerda oficial está dentro dos limites e adaptado ao capitalismo, já que estes se propõem a ser executores da vontade dos trabalhadores, mas como "a vontade não se transfere " (Rousseau), não podemos acreditar na forma e muito menos no conteúdo de qualquer tipo de organização social que mantém as relações indiretas e hierarquizadas entre as pessoas, que são fundamentais para a manutenção do trabalho alienado, base sobre a qual a sociedade de mercado se estrutura.

Em segundo lugar, até que ponto a esfera da política é determinante em nossas vidas? A crise do Estado nacional não é causada, fundamentalmente, pela corrupção, falta de vontade ou descompromisso dos políticos (palavras-chave no vocabulário dos candidatos da frente popular). Nas últimas décadas, o Estado vem perdendo a sua função de regulamentar a economia e no capitalismo contemporâneo a capacidade de decisão está cada vez mais concentrada nas mãos das grandes corporações mundiais, que, através de seus acordos, definem os novos métodos de produção, o achatamento salarial, o planejamento urbano das grandes cidades etc. Os investimentos com meios de transporte são exemplo disso. No caso de Fortaleza, será coincidência que o metrô esteja sendo construído com investimentos do Banco Mundial ligando o grande pólo industrial do Maracanaú ao novo porto do Pecém, além de toda a destruição ao meio ambiente no litoral cearense causada pelo Porto e a destruição de vários locais de memória com o remodelamento urbano que são conseqüências da construção do metrô? Quem acredita que esse investimento milionário está sendo feito para beneficiar os trabalhadores? A educação também é tratada como mercadoria e é por isso que estão sempre exigindo que o ensino se adapte aos parâmetros determinados pelo mercado. As horas de não-trabalho são controladas pela indústria do lazer, que define as músicas que vamos ouvir, a roupa da moda que deve ser comprada, os espaços que devemos freqüentar (shoppings, de preferência). Sem contar com os ajustes no Estado que os governos estão fazendo (inclusive os do PT). Todas essas medidas são tomadas para garantir as relações com o mercado mundial e demonstram uma tendência de esvaziamento da política enquanto um elemento central no controle da vida das pessoas, embora ela ainda seja um importante elemento para criar ilusões nas pessoas de que o voto de quatro em quatro anos vai mudar alguma coisa, mantendo a ordem e a obediência diante das decisões que o mercado mundial toma sobre nossa vida.

Desta forma, a necessidade de mudar a vida, exige esforços que superem a lógica do Estado e do mercado. Isso permite que vejamos o processo eleitoral como mais um momento de troca, onde da mesma forma que vendemos nossa capacidade de produção e o que produzimos no mercado, na eleição "entregamos" nosso poder de decisão a alguém. Esse círculo vicioso acaba reforçando e consolidando o sistema da passividade - no trabalho, devemos obedecer ao patrão, na rua à polícia, na escola ao professor e, para manter o controle sobre a sociedade devemos obedecer aos governos. O processo eleitoral segue de uma forma totalmente especular (com seus adesivos, discursos, bandeiras e showmícios utilizados tanto pela esquerda como pela direita, faces da mesma moeda) as relações do mercado na busca de convencer as pessoas quem produz o melhor especialista. Este vai fingir que manda e decide sobre nossas vidas honestamente ( será que é disso que precisamos - um líder honesto?), quando é apenas, na verdade, um mero funcionário na hierarquia do moderno sistema da passividade.

Nem mesmo o discurso de que esse é um momento de construção de consciência, dá elementos que justifiquem a participação de revolucionários nela. A antiga tática leninista de intervenção eleitoral, tendo em vista a conquista da "direção das massas", se justificava pela estratégia de conquista do poder de Estado. Mas, que consciência é essa que reforça a representação burguesa e suas instituições? Na verdade, se treatava ali tão só de substituir os dirigentes burgueses pelos dirigentes do proletariado, não estando em jogo, em nenhum momento, a negação da passividade e do poder separado. Para mudar a vida, e não para trocar de chefes, devemos superar as relações indiretas mantidas entre os trabalhadores através da mercadoria e da política. Somente com a apropriação coletiva da produção e a decisão coletiva sobre as formas de organização social é que poderemos mudar a vida e, para isso, não precisamos da política e das relações indiretas mantidas por ela e seus partidos, especialistas, eleições, Estado e a famigerada burocracia, precisamos é, ao contrário, ir contra estas estruturas, todas estruturas que mantêm e reforçam a passividade cotidiana. Não é possível lutar contra a alienação através de meios alienados.

O desafio colocado para nós é construir no nosso cotidiano, em todas as esferas das quais participamos, a crítica total à sociedade de mercado e ao seu representante, o Estado. Buscando criar no nosso dia-a-dia experiências não hierarquizadas e formas de relações diretas entre as pessoas, sem intermédio nem de partidos nem de patrões, construindo novas formas de luta que tenham também um conteúdo diferente no espírito da autonomia revolucionária e da auto-organização, onde possamos estar presentes, dispensando toda a re-presentação e todas a formas de alienação da vida.

 

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