Pela associação internacional dos amigos do crime e do pecado, inimigos do castigo

sejamos todos perigosos sociais!

Ilana e Emiliano

No mundo da mercadoria total, em que tudo o que é concreto desaparece sob a abstração do dinheiro, todo o concreto ficou abstrato. Quando a abstração se torna Lei, o concreto é o Crime. Assim, nada mais "natural" do que os Estados e os seus funcionáriosda na mídia tornarem crime o que é a exposição concreta - violentamente concreta - das necessidades e dos desejos.

Quando a mercadoria dominou as cidades do desejo, todo o desejo se levanta em insurreição contra a cidade da mercadoria.

Pedro (que pode ser João, Joaquim, enfim...!), negro, 9 anos, menino de rua, preso na Febem. Crime: desejou o tênis que, desde que se deu conta no mundo, ouviu dizer que deve possuir para ser tratado como gente. Mais do que o tênis, a violência contra a lei lhe deu prazer. Que importava a Pedro ser reconhecido pelos publicitários dos donos da indústria de tênis? Na FEBEM, a insurreição contra a lei que impede a realização do desejo toma forma na rebelião dos corpos.

Eugênia, 15 anos, expulsa da escola por transar com os amiguinhos nos banheiros. Era má companhia. O problema foi a persistência e a reincidência no crime. Desejo quando se manifesta uma só vez, a Orientadora Educacional dá jeito.Mais de uma, é caso de policial que tem a carteirta profissional assinada como "diretor de escola".

José, 30 anos, operário desempregado. Crime: vagabundear durante o horário do expediente. Para José, agora expediente não há! E agora José?

José, que pode se chamar Alípio,François ou Justina - esta, presa por esfaquear o marido, após anos de espancamento e estupros - ou Mike. Mike, este último, também negro, reparem bem, reincidiu no crime de roubar comida no Texas e, sob a lei contra a reincidência, foi condenado à morte.

Mas pode ser também Mercedez. Cocalera na Bolívia que enfrenta os sindicalistas, as tropas norte-americanas e o governo de Banzer. Criminosa!, bloqueia as "carreteras" (estradas).

Fernando e Mário (que não é Inácio, sem-terra preso por ocupar a sede do Incra em Recife), irmãos e filhos de Francisco ("seo" Chico), foram assassinados em uma favela do Rio de Janeiro. É que eles ganhavam mais empregando sua força de trabalho ao narcotráfico (vendiam "dólares" no barraco) do que na construção civil.

Quando toda a possibilidade do desejo é usurpada pela propriedade privada, a usurpação da propriedade privada é a única possibilidade de reapropriação do desejo. Contra o crime injusto, o justo crime. É que a transgressão da opressão é apenas a primeira instância do prazer para nós. Ao prazer da transgressão, devemos cada vez mais buscar agregar o prazer da reapropriação coletiva da vida. Por isso fomos às ruas de Praga, Fortaleza, Buenos Aires, Chicago e Belo Horizonte. Como fizeram com as Claras, as Marias, os Joões, os Josés, também fizeram conosco. Somos todos "criminosos". Agora? Não!, desde sempre.Jesus, Joaquim, Blanqui, Marie, Marx, Marcos, Sacco, Sofia, Vanzetti, Valdo, Makhno, Mário, Durruti, Durval, Seo Joaquim, Guy, Arthur, Artaud, Che...

Transgredimos e queremos transgredir todas as ordens deles. Na verdade, queremos instituir, pela e na trangressão de toda a ordem exterior, a ordem auto-instituída, onde o crime e a lei sejam assunto da discussão comum, horizontal, determinados no diálogo entre indivíduos que desejam e que na realização do desejo, agora tornada possível, suprimam a alienação da mercadoria, da hierarquia e da ideologia.

Se hoje somos criminosos sociais - e queremos sê-lo -, é porque no mundo invertido do dinheiro só os que se adaptam à podre tranqüilidade que se ergue por sobre o caos da vida de bilhões e bilhões de marginalizados pelo mercado estão ao äbrigo da lei". Aos demais, nos restam as prisões, os assassinatos, as chacinas, a infâmia e a crueldade.

 

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