Para a crítica do lazer

Emiliano

O capitalismo é antes de tudo um sistema de expropriação de tempo de vida. Submetido à forma do trabalho abstrato, quantitativo e sem qualidades (o tempo da medida do valor), o tempo de vida tornou-se ele todo, progressivamente, também um tempo abstrato. O lazer é uma forma histórica do uso do tempo de não-trabalho, o "tempo livre" próprio do capitalismo contemporâneo: é o "tempo livre" da vida abstraída de qualidades. Assim, a crítica do lazer é, enquanto exercício teórico, parte da crítica da economia política.

Esta última não é pensada aqui como "ciência econômica" particular, mas como crítica de uma forma histórica de relações sociais na qual as relações econômicas, enquanto relações entre portadores de mercadorias, tendo-se autonomizado frente aos homens e se constituído numa "esfera" à parte, conseguiu impor seu domínio sobre todas as outras formas da experiência social. Esse domínio converte-se, em alguns casos, em integração e extensão; assim, formas de experiências e relações sociais, tradicionalmente (mesmo tendo em vista os primórdios da economia moderna) exteriores à atividade econômica, tornaram-se parte desta atividade, isto é, passou a se constituir como produção mercantil. O lazer é uma forma de experiência social à qual se estende a economia, é uma forma de atividade econômica.

No período humanista do pensamento burguês, e em uma época em que as relações burguesas apenas estavam tomando forma, Kant distinguiu o agradável e o prazer. Segundo ele, o primeiro é o que apraz os sentidos na sensação; isto é, um aprazimento unilateral e superficial, tal como um doce ou um bom clima. Já o prazer é o que apraz a partir do "livre jogo" entre a imaginação e as "faculdades superiores de conhecimento" – a "razão" (consciência moral) e o "entendimento" (consciência intelectual). Apesar da forma sem dúvida idealista sob a qual a coisa é apresentada, podemos reter daqui algo fundamental: a diferença entre o aprazimento limitado e unilateral e aquele que mobiliza em nós diversas de nossas faculdades e potencialidades, aquele no qual nós tendemos à totalidade de nosso ser, ou seja, que diverte. O lazer pode ser agradável, mas não é prazeroso, não é divertido.

A diversão supõe o jogo, a livre determinação, isto é, o lúdico, a brincadeira: o exercício múltiplo das potencialidades, a comunicação entre essas potencialidades, a experiência da própria diversidade e também da diversidade na relação com o outro. Em outras palavras, supõe a comunicação. O lazer é o agradável: é a experiência unilateral com os sentidos, enquanto prazer imediato que não diverte, isto é, não comunica a sensibilidade com outras faculdades e não dialoga com a diversão alheia; não é a extensão da sensibilidade às suas múltiplas formas (fantasia, imaginação, premonição...), mas a sua unilateralização na sensação.

O lazer não é cultura. A cultura pressupõe continuidade e experiência em comum. Pressupõe memória e atividade. A cultura é inseparável da festa, da comemoração, e portanto diverte. O lazer também não é festa, pois esta implica cultura e diversão. No capitalismo contemporâneo, o lazer substituiu a festa, a religião, a arte e todas as formas de "purificação" e catarse nas quais, nas sociedades comunitárias pré-modernas, o indivíduo reestabelecia o encontro com sua comunidade, com seu modo de vida, seus valores, sua memória e seus interesses comuns; eram o espaço real da comunicação. O lazer não "purifica".

O lazer é, antes de uma experiência com coisas no tempo, uma relação com o tempo.

O lazer é passatempo. Supõe uma existência social na qual a experiência com o tempo seja negativa, seja desprazerosa e desagradável, experiência que, portanto, deve ser amenizada com a experiência com um tempo agradável, um tempo à parte especialmente agradável. O lazer supõe que já não haja jogo com o tempo, isto é, uma relação qualitativa com o transcurso do tempo enquanto transcurso do processo de auto-atividade e auto-constituição dos indivíduos. Na sociedade em que o lazer é a forma do "tempo livre", os indivíduos já não se reconhecem no tempo, a experiência com o tempo não é uma experiência com algo seu, mas com algo estranho, alienado. Lazer é "passatempo"; "passar o tempo" é "matar o tempo": assim se diz e se reconhece na linguagem cotidiana. O tempo do lazer é "tempo morto".

O lazer pressupõe – na experiência negativa com o tempo – a alienação e a quantificação do tempo. Próprio da sociedade de mercado, o tempo quantitativo é o tempo de um mundo vivido que é construído segundo os critérios do valor e, portanto, construído sob o domínio do trabalho produtor de valor, o trabalho abstrato. O lazer é a experiência com o tempo abstraído de todas as suas qualidades sensíveis, é o consumo do tempo em sua quantidade – pois no lazer do que se trata é de fazer o tempo "passar" através de seu consumo quantitativo, é de se libertar dele e não de libertá-lo. Se a mercadoria é a objetivação do tempo abstrato em coisas concretas, o lazer é o consumo de tempo abstrato através de coisas concretas. Essa é a sua forma básica e contraditória.

O lazer é o "tempo livre" da sociedade do trabalho abstrato. Esse é o trabalho que já não é meu, mas de outro, pois é o trabalho assalariado, alienado. O lazer é extensão, no "tempo livre", da alienação do trabalho, a extensão do mando/obediência, da passividade e da renúncia à auto-atividade. A hierarquia, o constrangimento, a submissão da vida ao planejamento de outros – próprios do trabalho assalariado – permanecem e se realizam no lazer. Os grandes eventos de massa, os mega-shows, a relação com os grandes "astros" da indústria de entretenimento, a uniformização dos gestos, a criação de signos que dispensam o diálogo, apenas reproduzem a massificação e a hierarquia do trabalho alienado. O lazer é o "tempo livre" do escravo do salário, que submete o conjunto de seu tempo à compra-e-venda, à mercadoria. É o "tempo livre" daquele que, não podendo ser livre no trabalho, busca se livrar parcialmente do trabalho alienado estendendo ao não-trabalho a sua não-liberdade. É a alma de um mundo sem alma, o coração de um mundo sem coração. O trabalho assalariado é o fundamento do lazer, o seu fundamento contraditório. Com o lazer, o tempo de vida, em sua totalidade, encontra-se alienado.

Vida é tempo de vida, enquanto experiência sensível com o – e ativa no – tempo. O lazer é tempo morto, é experiência abstrata com o tempo. É a experiência da renúncia do tempo e da atividade: é experiência com a morte. Sua pulsão fundamental é a da destruição, não da criação; num mundo que perdeu sua unidade (pois sob a alienação o homem já não é uno com o mundo que constrói), o lazer é destruição e separação, não criação e atração. Por buscar no agradável o prazer que lhe é socialmente negado, o lazer pressupõe a renúncia à individualidade; no entanto, não numa renúncia erótica, mas autodestrutiva, que conduz à destruição do Eu, e, em conseqüência, estranha a qualquer relação de alteridade. Assim, a violência não é uma das possibilidades do lazer, mas a sua vocação natural. A insegurança das noites sem sentido, o pânico em meio à multidão, as brigas de turma, a impossibilidade do diálogo e a agressividade latente combinam-se cada vez mais a um verdadeiro culto da violência, das palavras-de-ordem ameaçadoras, da corpolatria.

Acessível – enquanto mercadoria consumível – na esfera da circulação mercantil, o lazer é ideologia do igualitarismo que se fez mundo. Tendo como pressuposto o assalariamento (no qual uns assalariam, outros são assalariados), no lazer todos são iguais – ilusoriamente iguais – enquanto consumidores, e enquanto tais já não se reconhecem como o que são em sua vida real. O lazer, assim, é a inversão da vida; a vida de um mundo invertido. Situado na aparência do sistema, na esfera das trocas iguais, o lazer compõe a "autonomização da aparência" (Debord). O lazer é parte da espetacularização do mundo.

O lazer é uma experiência com o cansaço e a frustração. Ocorre no lazer o que, segundo Adorno, ocorre na "indústria cultural": a promessa irrealizada. Mas, para ele, isto ocorreria porque a mercadoria cultural não teria valor de uso, nenhuma utilidade. Nesta análise ele ainda está preso às exigências clássicas do "bom gosto" estético. Ao contrário, os objetos "estéticos" (relacionados à sensibilidade) do lazer possuem "valor de uso": são coisas sensíveis que agradam aos sentidos na sensaço. Mas o lazer não é antes de tudo uma relação com coisas sensíveis "sem utilidade", mas com o tempo inútil através também de coisas úteis; tempo inútil que anula toda a utilidade das coisas concretas. É dessa contradição básica que, da promessa irrealizada, surge a frustração; e da insistência frente a renovação da promessa, nasce o cansaço. Da frustração e do cansaço pode surgir a recusa.

O lazer é expressão do tempo sem atividade. É, enquanto negação do tempo concreto, a fuga do tempo histórico. É a busca – através do "passatempo" – de congelar o tempo, a imersão do tempo não-vivido. Daí que a consciência própria do lazer seja a consciência anti-histórica. Deste modo, a recusa possível do lazer é a possibilidade da busca da atividade e do reencontro com a consciência histórica, da recusa do trabalho assalariado e do conjunto do tempo alienado. Da busca da vida – afinal, a morte é passividade.

 

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