46º Conune: O consenso da passividade

André Vasconcelos

O 46° Congresso da União Nacional dos Estudantes, realizado em Belo Horizonte, durante o mês de julho passado, refletiu a condição de apatia por que passa o Movimento Estudantil. Tudo parecia muito organizado para se manter a estrutura viciada e profundamente burocratizada de nossa entidade geral.

Para tanto, era necessário evitar qualquer forma de discussão crítica da realidade, livre da alienação e da simples reprodução de dogmas. E o esquema mostrou-se eficiente desde a chegada dos participantes ao Congresso quando os delegados de cada tendência foram "estrategicamente" divididos em alojamentos de acordo com a tese a priori defendida, evitando, assim, o contato dos diversos delegados com idéias ou propostas divergentes da "boa ordem".

A ausência dos grupos de discussão, que foram transformados em palestras, garantiram a condição de espectador e, portanto, de passividade daqueles que se dispuseram a participar do Conune. Afinal, se a intenção era manter a mesma estrutura alienada e, portanto, obscurecida da nossa sociedade, típica do mercado, nada melhor que submeter os estudantes a uma saraivada de dogmas, sem exigir-lhes ou, até certo ponto, possibilitar-lhes qualquer reação crítica.

Apesar de tudo, o clímax da mitificação ainda estava por vir. E quase ninguém desconfiou quando o Sr. Fidel Castro apresentou-se no palanque de mãos dadas com os pelegos da UNE. Nada mais óbvio para aquele que hoje implora uma "vaguinha" no mercado mundial e que, de forma coincidentemente trágica, apoiara dez anos antes o massacre de aproximadamente dez mil estudantes e jovens operários na Praça da Paz Celestial em Pequim. Eram jovens que legitimamente lutavam por mais liberdade, diante de uma ditadura burocrática, que assim como Cuba, responde falsamente pelo nome de socialismo.

O consenso da passividade ainda se mostraria mais claro no momento da plenária final onde a grande maioria das propostas foram aprovadas de forma unanime (pela cúpula da Frente Popular, é claro). Pois além de não terem havido grupos de discussão donde poderiam surgir aquelas propostas, ainda foi literalmente proibido o pedido de destaque naquelas propostas, que para os burocratas da UNE eram consenso. 

Essa política de distanciamento do conjunto dos estudantes levada a cabo pela atual diretoria da UNE, que aposta na manutenção - no movimento estudantil - da passividade da vida cotidiana, como forma de garantir aqueles cargos de diretoria, é implementada de forma mais ferrenha pela UJS (braço do PcdoB no ME). Embora, também seja verificada na postura do "bloco de oposição" (Rompendo Amarras) que se formou em torno do PSTU (Reviravolta) e de diversas tendências do PT.

Na verdade, aqueles que se diziam oposição, além de compactuar com a partilha de cargos (que também os beneficiava) dentro de uma lógica cupulista, foram ainda incapazes de garantir os grupos de discussão do Conune, visto que tinham delegados suficientes para fazê-los. Preferiram "garantir uma vaguinha" na diretoria da UNE, eximindo-se da crítica à nossa sociedade do espetáculo e da passividade.

A postura burocrática da esquerda oficial na direção da UNE não se explica em si mesma, mas possui raízes programáticas bem mais profundas. A burocracia surge da incapacidade da direção oferecer respostas aos anseios das massas, fazendo da manutenção do status quo a forma única de se manterem na direção das entidades. Um programa reformista, extremamente limitado ao domínio do mercado e do Estado, como o da Frente Popular, é fundamentalmente incapaz de canalizar a revolta espontânea dos oprimidos (mesmo o vandalismo, como expressão negativa desta espontaneidade) para um movimento revolucionário.

Ao invés disso, têm procurado reprimir sempre que possível esta mesma espontaneidade - não é a toa a existência de verdadeiros leões de chácara  contratados pelos próprios partidos da Frente Popular para deter o ímpeto daqueles que não se contentam em participar de showmícios. Foi assim no Congresso da UNE e nas poucas atividades de massa puxadas pela Frente Popular, como a recente Marcha dos cem mil, onde os anseios de milhares de estudantes, trabalhadores e demais oprimidos vêm sendo desviados da luta revolucionária por um patético "Fora FHC", como se a mudança de um governante pudesse inverter as prioridades da produção do lucro e da concentração de riquezas da sociedade capitalista.

Frente ao consenso da Frente Popular, optamos por constituir uma tese própria em torno do Movimento de Estudantes Revolucionários (MER) e seus simpatizantes. A tese "Construir a UNE na Luta Anticapitalista" pretendeu aglutinar aqueles estudantes mais avançados do Congresso e sensíveis à construção de um movimento revolucionário entre os estudantes; alternativa real ao consenso reformista da velha esquerda. Nossa atuação prática não poderia estar em desavença com aquele programa trazido em nossas Teses, de modo que foi rechaçada qualquer forma de hierarquização dentre os componentes do grupo - fossem eles delegados ou observadores. Afinal de contas, uma postura essencialmente democrática - e, portanto, anti-hierárquica - é imprescindível na implementação de um programa de crítica da passividade.

Neste espírito, procuramos aproveitar e mesmo criar espaços de contato direto com os estudantes presentes ao Conune, denunciando os mecanismos burocráticos levados a cabo pela direção da UNE, que procuram - no interior do Congresso e fora dele - garantir a hegemonia desta política reformista que sempre se mostrou incapaz de dar respostas aos anseios dos estudantes, que dirá do conjunto dos trabalhadores.

Mesmo reduzido, nosso grupo pareceu despertar a ira daqueles que nos queriam submissos, deixando claro o ranço stalinista ainda presente no autoritarismo da esquerda oficial e sua tentativa de falar mais alto contra aqueles que insistem em pensar diferente.

 

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