DEBATE SOBRE ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA

Teses sobre a estratégia revolucionária:

Expropriar o capital monopolista, superar o mercado e o Estado

Resolução do 4º Encontro do Coletivo Contra a Corente

Abril/Maio de 1999

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  A atual crise da economia capitalista, em sua estrutura monopólica e mundializada, ao passo que concentra um conjunto de contradições sem precedentes, expõe o "limite histórico" da própria sociedade produtora de mercadorias (ver "Aspectos da estrutura e da dinâmica do capitalismo contemporâneo", abril de 1997). Na atual crise de superprodução de mercadorias e capitais, o que se demonstra historicamente esgotado é a própria lógica do mercado e do capital. O monopólio capitalista, ao centralizar capitais e riquezas sociais, é a conseqüência lógica e histórica das leis de produção de mercadorias, ao mesmo tempo em que agrava profundamente as contradições que lhes são imanentes. Como forma fundamental do capital, o monopólio concentra, nas atuais circunstâncias históricas, as possibilidades de superação do próprio domínio da lógica mercantil sobre a produção social de riquezas.

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A estrutura monopólica do capitalismo contemporâneo possui três características de profundos impactos sobre a estratégia socialista: o alto desenvolvimento tecnológico, a composição supra-nacional do capital monopolista e, por fim, uma socialização sem precedentes históricos, qualitativamente nova, da produção material. Do ponto de vista material das riquezas, parte fundamental da produção já é realizada numa associação direta no trabalho por milhões de mulheres e homens em todo o globo, em grandes empresas no interior das quais as alocações de recursos materiais para a produção dão-se por vias extra-mercantis, numa divisão social do trabalho que, no nível interno dessas empresas monopolistas (como entre as seções produtivas no interior de uma mesma fábrica), não ocorre sob a forma de trocas privadas. O nível de concentração monopolista da produção mundial revela, portanto, também o nível de socialização dessa mesma produção. No centro da atual crise histórica da economia capitalista revela-se o extremo a que chegou a contradição entre essa produção socializada, realizada sobre recursos tecnológicos de alta capacidade produtiva, e a apropriação privada (monopolicamente concentrada) da riqueza produzida.

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  A revolução científicotecnológica desenvolvida nas últimas décadas, com o desenvolvimento da microeletrônica, da biotecnologia e a substituição crescente das matérias-primas naturais por matérias-primas sintéticas (substituição que, na economia produtivista burguesa, não ameniza a destruição da natureza), tem um forte impacto não só sobre a natureza da crise, mas também sobre um projeto de superação da sociedade capitalista. Ao  diminuir enormemente a presença do trabalho vivo na produção de riquezas, o desenvolvimento tecnológico tanto potencializa a produtividade do trabalho, quanto diminui a produção de valor, o que se manifesta num dos traços fundamentais da atual crise, que é a tendência à queda da taxa média de lucros. Neste sentido, manifesta-se mais uma vez a contradição própria da produção mercantil entre o valor de uso e sua forma valor, agora na forma da contradição entre a capacidade produtiva de riqueza material (valores de uso) ascendente e a tendência decrescente da produção de valores. Em outras palavras, a  lógica capitalista da "autovalorização do valor" (Marx), da acumulação ascendente de capital, que é a própria essência do sistema, encontra cada vez menos base material nas próprias forças produtivas que ele desenvolveu para este fim.

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  A revolução científico-tecnológica, nas atuais condições de apropriação privada monopolista, põe em crise o próprio trabalho assalariado, isto é, a forma privada dos diversos produtores tomarem parte numa produção cada vez mais socializada. Isso se manifesta não só no fenômeno do "desemprego estrutural", que ¾ na sociedade de mercado ¾ retira de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo a possibilidade de socialização e de aquisição das condições materiais de vida. Mas revela-se também, e principalmente, no fato de que o assalariamento (venda privada da força de trabalho), ao ser o critério para a participação na produção e no consumo sociais, é contraditório com as efetivas condições tecnomateriais de socialização do trabalho e de  produção dos meios materiais necessários à vida.

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  A expropriação das atuais forças produtivas decisivas da humanidade, que ora se encontram sob a apropriação monopolista, e sua socialização (apropriação social) são a condição fundamental para a superação da atual crise em que ¾ sob o capitalismo ¾ se encontra a sociedade humana. Essas forças produtivas são materialmente valores de uso, desenvolvidos historicamente para a produção de outros valores de uso necessários à reprodução social da vida humana, e que, no capitalismo, foram submetidos à lógica da acumulação de capital, sob a forma da sua apropriação privada e da produção de mercadorias. A sua socialização reconciliará a sua forma de apropriação com a sua natureza objetivamente social e socializada. Com isto, não só estará superada a base da crise, mas também se instaurarão "relações diretas" entre os homens (isto é, relações não mais fundadas sobre a troca privada por meio de mercadoria e dinheiro), abolindo o domínio das leis do mercado, e fundando uma nova sociedade em que os homens terão controle sobre suas próprias atividades e relações sociais, baseada predominantemente na produção de valores de uso para a satisfação das necessidades humanas.

  Adendo - A apropriação social dos meios de produção significa a superação da produção de mercadorias, cujo fundamento é a relação entre os indivíduos como produtores privados, que se relacionam entre si mediante a troca de seus produtos privados. Na medida em que uma produção é realizada socialmente e socialmente apropriada, inexistem produtos privados e trocas privadas, e as relações entre os indivíduos passam a ser diretas. Deste modo, possibilitam-se aos homens a clareza e o controle sobre suas atividades e relações sociais, bem como determinar à produção social fins propriamente humanos, não mais determinados pela lógica da autovalorização do valor. (Cf., entre outros, o primeiro capítulo de O capital, Crítica ao programa de Gotha e último capítulo de Do socialismo utópico ao socialismo científico). A expropriação do capital monopolista só terá um significado efetivamente anticapitalista se avançar para a socialização de suas forças produtivas, isto é, se superar sua própria forma capital, como forma que se realiza na produção de mercadorias e na troca privada (como discute-se abaixo, a estratégia da "estatização" não rompe com a forma capital, mas, ao contrário, a realiza).

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  Devido ao desenvolvimento desigual da economia capitalista, parte considerável da  produção, no entanto, não é materialmente socializada (forças produtivas pouco desenvolvidas, trabalho individual ou familiar etc.); este setor, portanto,  não pode ¾ a princípio (isto é, por motivos econômicos e táticos) ¾ ser objeto de expropriação e socialização, o que indica a necessidade de coexistência econômica entre um setor da economia ainda mercantil e uma produção socializada, esta dominante, em que estará superada a produção mercantil. Esta coexistência econômica é o que caracterizará o período de transição revolucionária à sociedade sem classes, a sociedade socialista.

  Adendo - Na atual estrutura monopólica do capitalismo, não apenas o proletariado tem contradições com o capital monopolista, mas também toda a massa de pequenos proprietários arruinados das cidades e do campo. Neste sentido, é uma necessidade tática do proletariado estabelecer com essas camadas uma aliança antimonopolista, cujo programa – a expropriação dos monopólios – abre o período histórico de extinção da própria produção mercantil. O fato de que a pequena produção mercantil não pode, por motivos econômicos, ser imediatamente “abolida” possibilita que, no período transitório de desenvolvimento da produção socialista, os pequenos proprietários sejam convencidos da superioridade da grande produção e circulação socializadas e a nelas ingressarem.

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  A socialização das forças produtivas não se dará ¾ e nem o poderia ¾ pela via da estatização. Pelo contrário, a estatização dos meios de produção, que caracterizou os processos revolucionários no século 20 e os programas do movimento operário, é o reconhecimento da impossibilidade material da socialização. A socialização significa a apropriação diretamente social dos meios de produção, o que só pode ocorrer com base em forças produtivas cujo nível de desenvolvimento já determine uma socialização material da produção. Deste modo, a forma socialista das relações entre os indivíduos (relações diretamente sociais, e não mediadas pelas trocas privadas de dinheiro e mercadorias) deve ter como conteúdo uma produção cujo processo material já esteja socializado, ou seja, forças produtivas desenvolvidas. A estatização dos meios de produção é o reconhecimento da inexistência desses pressupostos materiais na medida em que foi um meio histórico de desenvolvê-los. Com base nas condições materiais de onde parte, a estatização dos meios de produção só poderá desenvolver as forças produtivas a partir de uma lógica das trocas privadas, da mercadoria e do dinheiro ¾ e, portanto, a lógica do capital e da acumulação. Em outras palavras, a concentração dos meios de produção nas mãos do Estado não nega, mas, ao contrário, melhor realiza ¾ em condições históricas determinadas ¾ a lógica do capital, mesmo quando abole a figura jurídica do capitalista, como ocorreu nas revoluções do século 20.  

Adendo I - O capital não é uma coisa (máquinas, matérias-primas ou dinheiro), mas uma relação social coisificada, fundada sob a lógica da autovalorização do valor, do dinheiro que se torna mais-dinheiro mediante a exploração do trabalho vivo. Tem como premissa, tanto lógica como histórica, a produção de mercadorias, isto é, a troca privada entre indivíduos, na qual a força de trabalho torna-se mercadoria que, ao seu usada, produz um valor mercantil superior ao seu próprio. É graças à incorporação deste valor a mais que a acumulação capitalista se realiza. O "capitalista",  segundo Marx, é aquele que torna subjetivo o movimento objetivo de autovalorização do dinheiro. Ao capital, no entanto, não é imprescindível a figura física e jurídica do capitalista: nas relações reificadas do capitalismo, não é o capitalista que possui o capital, mas, antes, o capital que possui o capitalista (nas palavras de Marx, o capitalista é o "portador" do capital). A "estatização" dos meios de produção ¾ independente das forças sociais que controlem o Estado ¾ de modo algum quebra esta lógica do capital. Por outro lado, o monopólio estatal dos meios de produção, isto é, o Estado  como empresário único, abole a concorrência interna, mas de modo algum abole na lógica interna da economia nacionalizada (estatizada) os critérios e as formas  predominantes no mercado mundial, tais como custos de produção, preços, lucros, rentabilidade etc. Participa da produção mundial de mercadorias e, portanto, da constituição das médias de tempo-trabalho, bem como sofre as transferências de valor que ocorrem no interior do mercado mundial a partir dessa média. Deste modo, o "mercado planificado" mantém, em todos os seus sentidos fundamentais, a lógica capitalista.

Adendo II - A partir da derrota da "primeira onda" da revolução mundial (1917-1923) e o isolamento da revolução de outubro, as experiências revolucionárias vitoriosas que se seguiram ¾ a começar pela própria experiência russa (fragilizada em seu nascedouro pelo cerco imperialista, a contra-revolução interna, além da traição da socialdemocracia à revoluções na Europa Ocidental) ¾ não puderam mais que estatizar os meios de produção. Não contando senão com forças produtivas parcamente desenvolvidas (ainda que, no caso russo, imensamente concentradas em se tratando da indústria), em condições históricas de atraso e subdesenvolvimento, e objetivamente submetidas à lógica do mercado mundial, as experiências revolucionárias vitoriosas não puderam mais que concentrar no Estado os recursos necessários à superação (parcial e efêmera)  do atraso e do subdesenvolvimento. Com isto, concentraram-se tanto os recursos econômicos quanto políticos para a realização atrasada de uma "acumulação primitiva do capital" e o desenvolvimento retardatário das forças produtivas, com base econômica no uso extensivo da força de trabalho e dos recursos naturais, e na base política da mais cruel repressão e dos mais violentos métodos de trabalho forçado de que se tem notícia no século 20. A lógica fundamental do capitalismo e do mercado mundial se manteve. A inexistência jurídica e física da figura do capitalista e o limite dos privilégios materiais da burocracia à esfera do consumo ¾ devidos à estatização dos meios de produção ¾ não negam, antes supõem, a permanência da lógica impessoal do capital, a lógica da autovalorização, da acumulação do valor. É esta situação que a ideologia stalinista expressou com a fórmula eclética de "mercado socialista", segundo a sua  "teoria" do "socialismo em um só país". Por outro lado, a contraposição teórica de Trotsky, cunhada no conceito de "Estado Operário", parece-nos incorreto, na medida em que considera a estatização e a planificação nacional-estatal da economia como "métodos socialistas". Até mesmo do ponto de vista histórico, seria errado dizer que esses métodos são o produto da revolução de outubro, já que só foram aplicados na URSS no final dos anos 20, como conseqüência da "coletivização forçada" (na verdade, estatização das terras mediante violenta expropriação dos camponeses) e após a completa destruição da democracia soviética. Por fim, este é um conceito ¾ tanto quanto aquele de "Estado socialista" ¾ que abandona um ensinamento básico que o marxismo apreendeu da experiência da Comuna de Paris, o de que o poder proletário "já não é um Estado no sentido verdadeiro da palavra" (Engels). A coexistência histórica do poder proletário com formas privadas de apropriação econômica não representa diretamente a derrota daquele poder. Os primeiros anos da revolução russa e similares demonstraram isso. Diferente é afirmar que aquelas situações históricas determinadas eram por si sós a superação das contradições do capitalismo. Daí que, do ponto de vista estratégico, só podemos afirmar a necessidade da superação da forma estatal de poder e da expropriação da forças produtivas fundamentais da sociedade, o que só pode ser efetivado pela revolução articulada em nível mundial.

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  Deste modo, a superação do domínio das leis de mercado (possibilitada pela expropriação dos monopólios capitalistas e socialização dos meios de produção concentrados) é, em certo sentido, a ultrapassagem também do Estado. A própria estrutura supranacional dos monopólios capitalistas e a dinâmica que, sob a forma monopólica, foi imprimida à economia mundial contemporânea impossibilitam a antiga estratégia "socialista" de estatização dos meios de produção. O aumento da competitividade no mercado mundial exige dos monopólios a redução dos custos, o que explica tanto a utilização dos recursos tecnológicos quanto a descentralização geográfica de suas atividades produtivas ¾ produção parcelária em diversos países e regiões do globo, montagem final em outras, vendas em terceiras etc. O critério fundamental é, sempre, a busca de baixos custos de produção e elevação de lucros. O monopólio estatal dos meios de produção incapacita-se, nesta base, a enfrentar a concorrência no mercado mundial, pois, sob a lógica deste mesmo mercado, torna-se anti-econômico, na medida em que suas atividades produtivas se limitam à esfera da "economia nacional" e não são capazes de aproveitar as "vantagens" da mundialização. Eis aqui um dos motivos pelos quais a crise do mercado mundial atingiu com tanta força os "mercados socialistas" (sic) antes mesmo de manifestar-se nos centros capitalistas.

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  O fracasso histórico da estratégia estatista, que ainda hoje embala o sono da esquerda mundial, implica também uma crise do nacionalismo da esquerda. O desenvolvimento do capitalismo contemporâneo exige uma mudança completa das antigas "teorias" da transição socialista, pois impossibilita qualquer "desenvolvimento nacional" que fuja à lógica do mercado mundial. Mesmo o "milagre econômico" verificado nos anos 30 na URSS, graças à estatização e a planificação econômica, não seria mais possível hoje. A profunda mudança na estrutura do mercado mundial, com a queda do valor mercantil das matérias-primas naturais; o desenvolvimento tecnológico, que retira crescentemente as vantagens econômicas do trabalho extensivo e dos baixos salários; e a quebra da unidade nação-economia ¾ essas características do capitalismo contemporâneo são o impeditivo objetivo de que aquela experiência se repita, ao mesmo tempo que explicam o seu fracasso. Neste sentido, uma estratégia revolucionária deve ter como centro o esforço internacional por desenvolver o processo revolucionário a partir dos centros capitalistas, onde se localizam os pressupostos materiais necessários à transição socialista.

  Adendo - O desenvolvimento da luta de classes em nível nacional esgota-se historicamente (isto é, como tendência histórica, não efetivamente) com o próprio esgotamento das possibilidades dos Estados nacionais frente à economia. Neste contexto, é positivo que nos centros capitalistas uma nova onda de lutas proletárias toma corpo, com formas já internacionais, como ¾ na Europa ¾ a marcha dos desempregados e as greves continentais de caminhoneiros e de operários da Renault (além de lutas nacionais, como a grande greve dos trabalhadores franceses em dezembro de 95). Além disso, essas lutas dão origem a formas de organização novas, como os comitês dos desempregados, organizando uma parcela da classe que a estrutura tradicional dos sindicatos não abarca. Frente a essas tendências econômicas e das lutas de classes, e considerando as experiências anteriores, a principal tarefa que se coloca hoje no campo organizativo e programático é a organização internacional do movimento revolucionário, tendo em vista o seu desenvolvimento a partir dos centros capitalistas. Para tanto, será fundamental a constituição de um campo comum de reflexão e intervenção prática de agrupamentos, correntes, tendências e indivíduos,  que supere o dogmatismo, tanto reformista quanto “revolucionário”.

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  A estrutura monopólica e supranacional do capitalismo contemporâneo impossibilita aos Estados nacionais qualquer prerrogativa de "regulação econômica". Assim, pôs em crise a "esfera política", isto é, o espaço de luta em torno de políticas estatais. Mas também, ao exigir uma estratégia revolucionária (cujo centro é a expropriação dos monopólios e socialização de suas forças produtivas) que se proponha a ultrapassar o mercado, a economia nacional e o Estado, possibilita de modo concreto o renascimento teórico da crítica marxiana ao Estado (crítica que, diferentemente da anarquista, baseia-se na crítica da economia política ). O Estado, enquanto poder que se ergue sobre a sociedade, como expressão de contradições que ela não pode revolver por si mesma, é uma esfera alienada das relações entre os indivíduos, tanto quanto o mercado. O Estado moderno, ao ter como base a produção mercantil, é a forma mais alienada ¾ e, não à toa, propriamente política ¾ de Estado. A sua destruição revolucionária é, por si mesma, a superação histórica da forma particular que o Estado assume na modernidade, que é a forma política, bem como a superação de todo Estado. A luta pelo poder do proletariado (conceitualmente: a ditadura do proletariado) ¾ poder de, associados, os produtores determinarem os fins, as formas, os meios e os objetos da produção material da vida ¾ é uma luta, em essência, anti-estatal e anti-política. A ditadura do proletariado não é a fundação de um "novo Estado", mas de um poder direto da sociedade sobre si mesma; o seu objetivo (essência) é a extinção da sociedade de classes e, portanto, do Estado e da política.

  Adendo I - A organização e o planejamento mundializados dos monopólios significam o substituto contemporâneo da organização e planejamento nacionais – intimamente vinculados ao estado nacional – existentes no início do século. Naquelas condições, o programa tático da tomada do poder face ao chamado “capitalismo monopolista de Estado”(Lênin) representava, de fato, uma via para o socialismo ou “passos para o socialismo” na condição, naturalmente, do desenvolvimento da revolução mundial a partir do seu “estopim” na Rússia (conforme foi a availiação não apenas dos bolcheviques, mas também dos espartaquistas e de outras correntes revolucionárias). Hoje, a estrutura organizacional e planejada dos monopólios mundiais não apenas são o substituto do planejamento através do Estado, mas também o ponto de partida de uma nova forma social de organização da produção, a partir da apropriação e do controle sociais. Este controle social, tendo por base a apropriação social, exige como instrumento não mais o Estado (“poder separado da sociedade”, como dizia Engels), mas formas de auto-organização do proletariado (comunas, conselhos, soviets...), única condição de se ter um efetivo controle direto dos indivíduos sobre a sua vida social. A estratégia revolucionária não pode ser outra senão o poder internacional dos conselhos de trabalhadores, substituto do atual “sistema de Estados” (que, acompanhando a mundialização do capitalismo e sua crise, também se encontra em crise).

Adendo II - Esta tese não nega, no entanto, que essa seja uma luta que ¾ frente ao capitalismo e ao Estado burguês, e mesmo durante o período de transição revolucionária ao socialismo ¾ "ainda se mova sob formas políticas" (Marx). É uma luta que, sob o capitalismo e o Estado burguês,  adquire "formas políticas" pois se trata de, primeiramente, destruir o Estado burguês e substituí-lo pelo poder da auto-organização dos trabalhadores; e este poder proletário "ainda se move sob formas políticas" pois terá também  a tarefa de impor à força a expropriação dos monopólios e sua socialização, bem como, na seqüência, garantir a transição à sociedade sem classes. Mas este poder já não é propriamente estatal, ou político, pois já será a cristalização do poder da sociedade organizada sobre si mesma. Sua essência já não será a "função política", mas a "função administrativa" (Engels), a função de viabilizar o controle humano sobre as coisas, sobre suas próprias atividades e relações sociais.

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  A crise da "esfera política" ¾ e de seus pressupostos, o Estado e a política ¾ exige uma outra concepção revolucionária de "política". Não no sentido de revitalizá-la, recriá-la ou reconstruí-la. Esta tarefa democrático-liberal não é nossa. Mas no sentido de determinar o que pode ainda ser uma crítica prática que não tenha como objetivo a tomada do poder de Estado e a estatização dos meios de produção, mas sim a socialização das forças produtivas fundamentais e o autocontrole social. Ainda que não tenhamos resposta pronta para esta questão, pensamos que ela deve ter como centro a retomada teórica e prática da crítica da economia política, enquanto crítica que se estende ao conjunto das formas práticas e conscientes da vida cotidiana. O esgotamento objetivo da lógica do mercado esgota as possibilidades sociais da democracia burguesa, ao mesmo tempo em que a "esfera" tradicional da política ¾ o parlamento, os governos, as eleições ¾ ocupa um espaço cada vez menor na escala de importância das preocupações cotidianas dos indivíduos; a luta em torno desta esfera, também. A completa "economização" da vida cotidiana é, em última instância, o responsável por este fenômeno. Mas, por isto mesmo, toda a vida cotidiana transformou-se no palco do domínio do capital e seu sistema de alienações. Este palco, que extrapola o alcance da "esfera política", deve ser o centro ¾ até hoje não inteiramente ocupado ¾ da crítica teórica e prática revolucionária. Esta concepção, no entanto, de modo algum afirma uma recusa à intervenção na "esfera política" tradicional (como faz o “apoliticismo” anarquista), com o objetivo de desvendar sua verdadeira essência. O método das lutas e reivindicações transitórias mantém toda a sua atualidade nesta concepção.

  Adendo - A nossa crítica do Estado político e a luta pelo poder direto dos trabalhadores fazem necessária uma crítica da representação. O conceito de "representação", enquanto conceito político, é próprio da esfera alienada da política estatal, concerne ao poder que se ergue sobre a sociedade; o Estado moderno é "representativo" porque ¾ no capitalismo ¾ a sociedade não pode exercer ela-mesma o seu poder sobre si. Em última instância, sua raiz é o próprio caráter indireto das relações entre os indivíduos no mercado (assim como na mercadoria, o que é social aparece, em sua representação objetiva, como privado; o que é histórico, aparece como natural; o que é dos homens aparece em formas coisificadas que deles se independentizam). O "representado" é aquele que não está presente, cuja vontade é exercida por outro; mas como "a vontade não se transfere" (Rousseau), o "representante" é aquele que, ao emprestar a outros sua voz, seu corpo e seus atos, não pode fazê-lo senão em troca da apropriação da vontade alheia. A representação é, enfim, a "mediação" que se aliena e se torna independente. A forma apropriada de realização programática do partido revolucionário é o poder (que não pode ser dividido com nem submetido a nenhum outro) das formas de auto-organização dos trabalhadores (Comuna, soviets, conselhos, comitês...), formas de mediação nas quais o proletariado mantém o seu controle sobre todos os momentos do processo, pois permanece presente.

 

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