CRÍTICA PRÁTICA

Gênova, 20-21 de julho de 2001: A maior manifestação internacionalista contra o sistema de Estados e o poder das transnacionais!

Esses foram, sem dúvida, dias históricos! Mais de 300 mil pessoas, de toda a Europa e de outros lugares do mundo, realizaram, por ocasião da reunião do G-8, em Gênova, Itália, a maior manifestação contra o poder dos principais Estados nacionais ali reunidos (EUA, Japão, Alemanha, França, Canadá, Itália, Inglaterra e, de gaiato, a Rússia). Após a manifestação de Seattle, em novembro de 1999, e de vários dias mundiais de luta contra o capitalismo (18 de junho de 1999, 1º de maio de 2000, 26 de setembro), o chamado “movimento antiglobalização” voltou a manifestar-se com força redobrada.
Sem dúvida, esta foi a manifestação, do ponto de vista numérico, maior de todas; e, do ponto de vista social e contestatório, a mais importante, pois, diferente de algumas outras anteriores (Bolonha e Nice, no ano passado, e Gottemburg, este ano, por exemplo), a manifestação de Gênova assumiu em diversos de seus aspectos um claro caráter anticapitalista.

Proletarizad@s contra... o FSG!

Não estamos falando, naturalmente, da principal coligação que a convocou, o chamado Fórum Social de Gênova (que não por acaso possui esse nome, visto o caráter integrado e espetacular do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, ao qual esta coligação se liga), que aglutinava desde os “Papa-boys” (juventude católica conservadora que assume a “doutrina social” de João Paulo II) até grupos menores da extrema esquerda (velhos trotskistas, trotskistas e stalinistas renovados, ex-autonomistas), passando pela socialdemocracia e coisas do tipo. Estamos nos referindo, quando falamos do claro caráter anticapitalista que ela assumiu, sob determinados aspectos, antes de tudo à presença massiva de dezenas de milhares de proletarizad@s que, com todo tipo de iniciativas e muita criatividade, confrontaram-se com os principais representantes políticos do capital monopolizado que se reuniam naqueles dias em Gênova. Além disso, grupos operários autônomos, a juventude proletarizada, mulheres radicais intervieram publicamente na manifestação, buscando dar-lhe um claro caráter anticapitalista.

Um exemplo que nos parece fundamental é a presença de grupos operários autônomos, como a Rete Operaia - Precari Nati (de Bolonha), o Kolinko (Coletivo em Movimento Comunista, da Alemanha), Workers Against the Work (Trabalhadores Contra o Trabalho, da Grã-Bretanha) que participaram da preparação e das batalhas da manifestação em Gênova. Ess@s companheir@s vinham mantendo um distanciamento em relação a esse movimento internacional, considerando-o uma espécie de “antiglobalização midiática”, socialmente estudantil e politicamente reformista, que se limitaria a reivindicar uma humanização do capitalismo a partir de cartilhas neokeynesianas. Sem dúvida, não era à toa: na Itália, por exemplo, o principal grupo que vem participando e impulsionando esse movimento, a Rede Ya Basta (a quem são ligados os Tutti Bianchi), compõe-se da área “pós-autônoma” italiana, ligados aos Centros Sociais Autogeridos, que comportam-se como ONG’s, organizam pequenas empresas, lutam por “cidadania” e abjuram qualquer idéia de luta de classes. Isso sem falar da ATTAC e do Le Monde Diplomatique, na França; ou, em diversos outros países europeus e nos EUA, o comando das burocracias sindicais. Essa é, sem dúvida, uma realidade diferente de diversos outros países (inclusive o “nosso”), onde a esquerda oficial esteve quase sempre ausente dos dias de ação global. O fato é que, nessa manifestação de Gênova, os camaradas de Rete Operaia, Kolinko e Workers Against the Work intervieram, desde antes da manifestação. Num panfleto preparado para distribuir lá, esses coletivos (assinando pelo nome de “Proletários contra a máquina”) diziam que não estavam ali como “profissionais do movimento antiglobalização”, mas para fazer presente a “resistência cotidiana” d@s operári@s, d@s “desobedientes” que, desde as fábricas, resistem aos patrões e ao Estado. Aliás, cerca de mil desses panfletos foram apreendidos pela polícia, que também deteve 13 companheiros da Rete Operaia por 7 horas na sede central da polícia em Bolonha. Mas o que queremos ressaltar é que a participação desses coletivos, dentre outros, pode ser um indício de que o movimento internacional contra o poder das corporações esteja sensibilizando parcelas cada vez maiores d@s proletarizad@s, chegando mesmo até o centro da produção – onde, aliás, as lutas nunca deixaram de ocorrer, desde as mais espontâneas e individuais formas de resistência à hierarquia do trabalho assalariado (ver, a esse respeito, o artigo da Rete Operaia publicado no número anterior de nossa revista).

O pacifismo, a violência policial e a violência proletária

Ao mesmo tempo, as formas de luta radicalizadas e protagonizadas não por pequenos grupos, mas por milhares de pessoas, demonstram a falta de controle dos “organizadores oficiais” (o FSG) sobre a manifestação. Imediatamente após as manifestações, o FSG, particularmente alguns setores dos Tutti Bianchi, passaram a acusar os setores ligados ao Black Bloc (Bloco Negro) de realizar violência indiscriminada, protegidos pela polícia, a fim de provocar a repressão policial ao restante dos manifestantes. Isso foi feito não apenas através de declarações à imprensa burguesa, mas também pelos meios de comunicação do próprio movimento (emails nas listas de discussão, notícias no centro mídia independente da Itália – controlado pelos Tutti Bianchi e reproduzidas no Brasil por órgãos da esquerda do capital, como a Caros Amigos).

O Black Bloc teve que soltar uma nota esclarecendo que seus ataques à propriedade não eram indiscriminados, afirma atuar só contra símbolos do capitalismo (multinacionais, bancos...) e respeitar as pequenas propriedades ou negócios. Comprovou-se, com farto registro fotográfico, a infiltração, pela polícia, de mascarados de preto que pretendiam confundir-se com @s Black Blockers, numa clara tentativa (lamentavelmente bem sucedida, dada a pressa dos “bons cidadãos antiglobalização” em criminalizar @s anticapitalistas do Black Bloc) de dividir o movimento.

Face as tentativas de criminalização d@s “violent@s Black Blockers” os camaradas de Precari Nati lançaram também uma nota, numa manifestação em Bolonha contra a violência policial (ocorrida em 24/07), denunciando a prática da “delação” e argumentando: “Mas o que é o BB [Black Bloc]? Existe realmente? Nós vimos proletários que recusavam a propriedade e não se deixavam massacrar pelos esbirros. Quebravam-se bancos, máquinas, empresas de trabalho provisório, organizavam-se barricadas... enquanto a polícia batia, disparava, assassinava. O FSG preparou detalhe por detalhe uma manifestação pacífica, pela desobediência civil, enquanto a polícia detinha, espancava os companheiros. O FSG permitiu assim à polícia de fazer o que queria (...). O FSG fala de não violência, quando o capital exercita todos os dias a violência contra os proletários no trabalho, no bairro...”.

Fato a se chamar a atenção é que, na mesma proporção da amplitude da manifestação, também a violência policial se ampliou. Bombas de gás lacrimogêneo, jatos d’água, cassetetes, tiros, cordões de isolamento, uso de helicópteros... as sedes da FSG e do Centro Mídia Independente foram invadidas pela polícia e os presentes detidos, espancados, e materiais foram apreendidos. Cerca de cem companheir@s foram pres@s; parte considerável foi torturada, espancada até não poder levantar-se; o mesmo nível de violência que, aliás, também ocorreu nas ruas. Nos hospitais, cerca de 250 feridos foram atendidos; uma quantidade não identificada teve que recorrer a atendimento nas próprias ruas. Como sabemos, o companheiro Carlo Giuliani, jovem de 23 anos, terminou sendo covardemente assassinado por um policial. A solidariedade internacional foi imediata: nos dias seguintes houve manifestação em cerca de 50 cidades do mundo, em boa parte delas em embaixadas e consulados italianos. Em 20 de agosto, um mês após o assassinato de Carlo Giuliani, foi realizado novo dia internacional de protesto contra a repressão em Gênova.

Democratizar a mundialização do capital? (Negri e o Império)

A política da ATTAC, do FSG e da esquerda oficial em todo as partes é, sem dúvida, “democratizar” as instituições internacionais (como o Banco Mundial, a OMC etc) e disso já sabemos há tempos. Causou-nos estranheza, no entanto, a nota que Michael Hardt e Antonio Negri (preso político italiano, condenado por sua participação no movimento de autonomia operária nos anos 70, sob o ridículo argumento do Estado de que ele estaria envolvido com o terrorismo) tornaram pública acerca das manifestações de Gênova.

Lá eles dizem (e nós concordamos): “Muitos protestos que conduziram a Gênova foram baseados no reconhecimento de que nenhum poder nacional está no controle da atual ordem global. Conseqüentemente, os protestos devem ser dirigidos às organizações internacionais e supranacionais, tais como o G-8, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional”. E acrescentam (o que nos parece clara crença na democracia e no espaço público): “Se o poder que governa sobre a globalização de hoje não é nacional, mas poderes supranacionais, entretanto nós devemos reconhecer que esta ordem nova não tem nenhum mecanismo institucional democrático para a representação, como os Estados-nação: nenhuma eleição, nenhum fórum público para o debate. As regras são eficazmente cegas e surdas ao governado”. Para chegar à (lógica) conclusão de que (da qual discordamos radicalmente): “Os movimentos de protestos tornados globais têm como um de seus objetivos mais claros a democratização dos processos globalizantes. Não deve ser chamado um movimento do antiglobalização. É pró-globalização, ou seja, procura-se uma alternativa ao movimento de globalização que procure eliminar desigualdades entre os ricos e os pobres e entre os poderosos e os sem-poder, para expandir as possibilidades de autodeterminação”. O que, definitivamente, não queremos é “democratizar” os processos de globalização! Queremos, isto sim, “fechar” (como diziam os manifestantes de Seattle) os organismos da globalização.

Não queremos “expandir as possibilidades da autodeterminação”, mas conquistar a verdadeira autodeterminação da sociedade do diálogo, o que só é possível abolindo o mercado e os Estados. Frente a esses objetivos, o discurso democratizante de Negri e Hardt não ajuda. Aliás, bem antes, só atrapalha, principalmente quando consideramos o esforço da esquerda do capital em tornar-se a “alternativa” de uma “globalização humanizada.”

Todo Estado é assassino! (I)

No dia 17 de agosto de 2001, Mumia Abu-Jamal deveria ter sido ouvido perante a Corte Suprema da Filadélfia, em uma audiência (a primeira, após 20 anos!). Além de cancelarem, em decorrência das manifestações programadas, a ida de Mumia à audiência, os assassinos do Estado norte-americano, através do juiz federal William H. Yohn, negaram, na ocasião, a petição de Mumia para tomar uma declaração juramentada de Arnold Beverly, que já declarou publicamente ter matado o policial Daniel Faulkner, em 1981 (motivo pelo qual Mumia está condenado a morte). O processo contra Mumia é um caso clássico da criminalização e a mobilização em defesa de sua vida é a própria luta prática contra a criminalização. Que possamos continuar nos empenhando, sem pestanejar, na solidariedade ativa com Mumia e @s demais perseguid@s pelos Estados, todos eles assassinos. No dia 17 houve, em vários lugares do mundo, ações em solidariedade a Mumia Abu Jamal.

Todo Estado é assassino!(II)

Dia 20 de agosto ocorreram, no mundo inteiro, manifestações de repúdio à violência policial que resultou na morte de Carlo Giuliani, militante anticapitalista, em Gênova, em 20 de julho deste ano. Como Carlo, milhares de proletarizad@s morrem diariamente assassinad@s pela polícia ou pelos esquadrões de fuzilamento, grupos paramilitares e todos os órgãos a serviço do capital. Morrem de tiro e de fome. Morrem de acidentes de trabalho e de desespero. Milhares nas comunidades são diariamente encarcerad@s. Que a violência aberta contra um manifestante, como já vem sendo utilizada amplamente desde pelo menos o início deste ano, ponha a nu a repressão policial como a face escandalosa da violência, que contamine o “intocado” espaço político e público que é o da suposta não-violência, é algo que não podemos deixar de repudiar.

Saibamos, contudo, que o suposto “espaço público da não-violência”, da política, é cada vez menos uma realidade em tempos de crise do Estado-nação moderno. Que possamos, desde as fábricas, os bairros, as prisões, as escolas e todas as partes generalizar a negação desta ordem do capital e do sistema de Estados que prende, tortura, espanca e mata aquel@s que a ela se opõem. Que possamos negar com mais radicalidade e auto-organização o mundo que está dado. Todo Estado é assassino!

Repressão no A20

Em 20 de abril @s compas anticapitalistas de São Paulo foram vítimas da brutal repressão que vem se intensificando a cada dia nos “espaços públicos” de manifestação. A Avenida Paulista foi palco de uma luta campal contra jovens, muit@s de escolas secundárias, cuja estratégia central de manifestação era pacífica. A repressão, como sempre, buscou provocar o quanto pôde conflitos que “justificassem” a porrada que, inevitavelmente dariam, pois que sua natureza é esta mesma: a violência aberta do capital contra os corpos em luta. Se a mercadoria é violência que nos oprime cotidianamente impedindo o acesso dos corpos aos seus objetos de desejo – o que é afinal a experiência da fome? – ela é violência explícita contra os corpos quando a polícia entra em ação. Todo o repúdio à repressão e à violência do mercado e dos Estados, em todas as suas muitas formas.

Ocupar, resistir e produzir... para quem?

O grupo autônomo do assentamento 24 de abril, em Acarape, Ceará, sob o Estado brasileiro, está divulgando um dossiê no qual analisa criticamente o produtivismo de mercado, anti-ecológico, que impera no assentamento e que é uma realidade generalizada hoje no “campo”; colocamos aspas aqui porque @s compas defendem, a partir de sua experiência de luta, a tese de que as fronteiras entre campo e cidade não fazem qualquer sentido no capitalismo contemporâneo: o campo, como realidade distinta do urbano, e o trabalho camponês como trabalho não integrado ao mercado capitalista, estes teriam acabado. @s compas realizam atualmente uma campanha de divulgação do dossiê, que não tem sido ampla o suficiente em função dos parcos recursos financeiros. Já há, entretanto, vários apoios nacionais e internacionais.

@s compas pretendem lutar para desenvolver tanto uma experiência autogestionária e agroecológica em seu meio de vivência como incentivar uma reflexão ampla sobre as relações de produção impostas no “campo” e sobre o que fazer contra o sistema de exploração dos homens e da terra. O grupo critica o “produzir” mercantil do MST, defendendo que nossa luta deve ser para nos reapropriar de tudo o que a humanidade produziu ao longo de sua história, o que deve passar necessariamente pela socialização da grande produção concentrada nas grandes empresas capitalistas e pela preservação da terra contra a extensividade de um trabalho agrícola que a escraviza à lógica do lucro, o produtivismo burguês que é também o do MST. @s compas têm sofrido uma ofensiva contra-revolucionária da FETRAECE (Federação dos sindicatos de trabalhadores rurais do Estado, ligada à esquerda oficial) e do INCRA (governo), os quais tentam a todo custo esfriar o ímpeto desse insubmisso grupo autônomo. Os burocratas sindicais poderão ir além das ameaças físicas, que até agora têm sido veladas. O dossiê do grupo autônomo estará no link “recomendamos” da nossa página na Internet. Não basta que nos solidarizemos com os companheiros; é necessário que façamos da luta deles a nossa própria luta!

Solidariedade ao Tonhão!

Na greve do ano passado dos professores da rede estadual de São Paulo, capitaneada e representada pela sindical, pelega e cutista APEOESP, destacou-se, na contra-mão do oficialismo, um acampamento independente da estrutura sindical desafiando o governo estadual e sua sindical. O compa Antonio Justino, o Tonhão, que atua principalmente em Diadema/SP, acabou sendo mais uma vez criminalizado devido o confronto que resultou numa campanha da mídia contra os radicais que “atacaram” o ex-governador Mário Covas (agora governando em sua própria cova) quando este desafiou os manifestantes, tentando entrar no palácio do governo “pisando” no acampamento. Tonhão foi recentemente demitido “a bem do serviço público”, em um processo movido pelo Estado.

Fazemos nossas as palavras do Centro de Cultura Proletária do Rio de Janeiro: “Tonhão sempre esteve na linha de frente das lutas populares e dos trabalhadores em SP, em particular da luta dos professores da rede pública paulista, destacando-se nas greves e manifestações, pelo que mereceu o ódio dos governantes, que lhe impuseram inúmeros processos e algumas condenações, numa demonstração de perseguição política sistemática. Mas não foi só isso. Tonhão sempre esteve firme na luta da oposição da APEOESP, contra as traições e peleguismos de sua direção, sempre empenhada em desorganizar e desmobilizar o maior sindicato paulista. A direção da APEOESP cumpriu tão bem seu papel de fura-greves e exemplo para a pelegada cutista, que dos seus quadros saiu João Felício, atual presidente nacional da CUT. Tal como o governo estadual, a direção pelega da APEOESP perseguiu sistematicamente Tonhão, também movendo-lhe vários processos, além de ter chegado ao máximo de degeneração ao contratar skinheads (neo-nazistas) para agredir membros da oposição em assembléias. O camarada Tonhão tenha certeza, todos os militantes e lutadores realmente combativos do Brasil estão ao seu lado e solidários, contra mais essa perseguição infame do governo, dos patrões e dos pelegos”.

Perseguição política aos punks...

@s compas anarco-punks do Ceará costumam reunir-se semanalmente em um ponto de encontro permanente a fim de trocar idéias e experiências. No dia 29 de junho último, de repente, tod@s se viram cercad@s por dezenas de policiais militares, que fizeram um “baculejo” e várias agressões. Esta foi mais uma, dentre as várias tentativas de criminalizar o movimento anarco-punk sob o Estado brasileiro (há relatos de casos similares em outros estados), após os acontecimentos de 27 de junho deste em Brasília, durante a “marcha contra o apagão e a corrupção”, organizada por CUT, MST e toda a corja da esquerda do sistema, quando o punks e demais populares confrontaram-se com a polícia do Distrito Federal. Observemos que também naquele momento, a esquerda do capital dedurava a todo instante a “irresponsabilidade” e “vandalismo” dos anarco-punks, autônomos e anarquistas...

A ocupação Anita Garibaldi

A repressão do governo estadual paulista, através da famigerada Rota, caiu sobre a ocupação Anita Garibaldi, ocupação de aproximadamente três meses de vida em Guarulhos. Trata-se da maior ocupação em curso na América Latina, com mais de 9.000 famílias que têm buscado resistir naquele local contra as ações do Estado para a desocupação do terreno e sua “reintegração” ao proprietário. A reintegração real é a do teto a quem dele necessita, a da terra a quem nela quer morar. A luta pelo teto, assim como pela terra, permanece, no mundo inteiro, mobilizando milhões de marginalizad@s do mercado, contudo, sem chegar a pôr em questão, na radicalidade, o próprio mercado na totalidade, como bem o exemplifica o MST no Estado brasileiro.

@s compas da ocupação Anita Garibaldi agora resistem, para garantir na luta a possibilidade de conquistar moradia. Essa é, como sabemos, uma realidade com longos anos de experiência em nosso país e pelo mundo afora. O grande problema com o qual as comunidades em luta nas cidades têm que se defrontar, sempre, depois de bravamente resistir e garantir na luta a ocupação, é o da lógica do mercado que aniquila o sentido comunitário, reforçando a lógica hierárquica das lideranças que se transformam, via de regra, nos dirigentes das associações de moradores, dirigentes empenhados, nos últimos anos, na conquista de “projetos de geração de ocupação e renda” e de “benefícios urbanísticos” (urbanização das favelas em que, invariavelmente, terminam se transformando, sob a lógica do mercado, as ocupações urbanas). Todo apoio à luta d@s comp@s da Anita Garibaldi. Que possam estar discutindo, nas assembléias e processos de autogestão que tais experiências de luta deflagram, a preocupação com a ampliação da perspectiva de luta no sentido da autogestão generalizada da vida, pois não há de morar sem comer, de comer sem vestir, de vestir sem amar. E onde há mercado e onde há Estado, não há autogestão da vida: se há comer, se há vestir (e não há), não há amar. Solidarizemo-nos com @s compas da ocupação Anita Garibaldi!

Banco Mundial e BID: o financiamento da domesticação.

Há vários anos o Ceará tem ocupado um triste lugar no que se refere às políticas públicas e ao financiamento de projetos por parte do BM: os governos do CIC (Centro Industrial Cearense) têm, desde 86, implementado aqui, de modo tristemente pioneiro, uma série de recomendações do Banco Mundial no que se refere às estratégias de “combate à pobreza e à corrupção”. Não por acaso os dois representantes no Brasil do BM e do BID saíram do laboratório do Banco do Nordeste e dos bastidores do Palácio do Cambeba. A recomendação número 1 do Banco Mundial que tem sido levada a efeito já mostra, sem espaço para dúvidas, a que veio: apostar na constituição de cooperativas de produção, redes de economia solidária, moeda local e até cartão de crédito, a criação de “Bancos do Povo” – como a Banco Palmas, do conjunto Palmeiras – têm sido, em parceria com as ONGs, o elemento DESESTRUTURADOR número um da resistência autônoma das comunidades da periferia de Fortaleza e nos municípios do interior. Sob o lema “Uma outra economia é possível”, co-patrocinadas pelo BM e pelo FSM, as iniciativas do governo do Estado e das ONGs da esquerda oficial de tal modo se confundem que é impossível distinguir um tecnocrata parido nos laboratórios do CIC de um tecnocrata produzido pelo “movimento popular” e agora alçado à posição de gerente de Banco. O cenário das associações de moradores de Fortaleza, divididas entre a prefeitura, o governo do Estado e a esquerda oficial mostra um mesmo e único triste quadro: a clara política de desmobilização da resistência autônoma frente à necessidade de receber e PAGAR os microcréditos, de disputar os financiamentos e de administrar os seus “pequenos negócios”. Todo o espaço de mobilização autônoma é cedido à necessidade de “gerir” as novas pequenas empresas cooperativas frente à crise econômica.

Quando temos, nos últimos números da nossa revista, chamado fortemente a atenção para o discurso das “cooperativas” da economia solidária ser hoje – e não só depois de Seattle, mas já bem antes – o discurso e a proposta número um do Banco Mundial, essa nossa insistência se dá por duas razões fundamentais: de um lado, tal política ataca fundamentalmente a autonomia das lutas, desarticulando-a efetivamente na medida em que a atrela à lógica do mercado e do Estado. Esta tentativa clara de cooptação da luta autônoma das comunidades para a lógica estatal-mercantil potencializa, no interior de formas de resistência que já são, no movimento comunitário tradicional, cheias de hierarquizações, o desenvolvimento e o aprofundamento destas, pois o dirigente da associação é também aquele que se beneficia e controla a distribuição dos benefícios. De outra parte, trata-se da absoluta necessidade – do ponto de vista da irracionalidade econômica administrada pelos organismos a serviço do capital – de buscar re-inserir no mercado aquel@s que estamos sendo, pelo desenvolvimento mesmo da economia capitalista, expulsos do assalariamento direto pelo desemprego estrutural.

A criação de cooperativas, os Bancos populares, a rede de “economia solidária” já são testados há alguns anos aqui, não só pelo governo mas pela esquerda do sistema e as suas ONGs. O processo de perplexidade ao qual as próprias comunidades com uma história de luta e auto-organização começam a chegar diante deste processo e do nível de desarticulação que ele implicou é já um bom prelúdio de que a tentativa permanente de captura da rebeldia para a lógica institucionalizada do Estado e das ONGs terá de enfrentar, ainda uma vez, a resistência autônoma d@s que, desde baixo, teimamos em negar sempre, teimamos em negar mais. Participamos, no semestre passado, de uma discussão com um grupo de militantes do movimento popular em uma região de Fortaleza. Era uma só a tônica da discussão: é necessário romper com o atrelamento ao Estado, aos partidos, às ONGs, se queremos retomar a luta de modo autônomo. A rebeldia não cessa de rebentar. É preciso, contudo, que estejamos sempre de olhos abertos à nossa própria atividade e ao modo como, por vezes, ela é reapropriada pelo inimigo sem que sequer nos demos conta disso. Inúmer@s compas honestos e combativos têm caído no canto de sereia das cooperativas sem se dar conta do que fundamentalmente elas significam hoje: a reprodução continuada da lógica do capital e a quebra, desde a sua espinha dorsal, dos movimentos autônomos. Não há autonomia das formas que resista à heteronomia do capital quando esta se impõe como a própria lógica que rege a existência.

Em março, reunião do BID em Fortaleza... organizemos a luta!

Em março do próximo haverá sob o Estado brasileiro, mais exatamente em Fortaleza, Ce, uma reunião de cúpula do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Sabemos que esta “agência financiadora” realiza o esforço do capital de cooptar para o interior da sua lógica os movimentos autônomos, através do financiamento de “alternativas de combate à pobreza e de desenvolvimento”, segundo a lógica dos organismos internacionais do capital. Não por acaso, esta é a principal fonte de financiamento dos governos ditos “democráticos e populares” da esquerda oficial.

Pensamos que deveríamos, desde a resistência que cotidianamente realizamos contra a dominação do capital, de seus Estados e seus organismos internacionais, buscar desenvolver ações coordenadas de protesto contra esta reunião, a primeira desta natureza no território sob domínio do Estado brasileiro. Pensamos que o caráter autônomo, anti-hierárquico, de ação direta, anti-partidário que temos construído nos dias de ação global aqui e a busca de cotidianizar a contestação desde os mais diversos espaços, fábricas, bairros, escolas, universidades etc. deve ser a tônica que havemos de buscar na tentativa de coordenar ações de protesto por ocasião da reunião de março do próximo ano. Esperamos iniciar uma discussão com @s vári@s compas de luta anticapitalista, antihierárquica e antiautoritária sobre os distintos modos e possibilidades de coordenarmos ações comuns contra a cúpula do BID de março próximo em Fortaleza. Arriba l@s que luchamos!!